sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Exercícios de liberdade – diálogos com o blog ComoVer Arq

     As investigações do tema da liberdade na arquitetura são, sem dúvida, daquelas que mais me impulsionam e me sensibilizam. Quando Fernando Gobbo e Larissa França, do blog ComoVer Arq, comentaram na última postagem sobre a minha colocação da Casa de Vidro do Morumbi como um exercício de liberdade, discordando dela, me deixaram bem animado em poder construir junto com eles um debate sobre este tema que tanto me fascina. Aqui no blog, no primeiro semestre, tentamos iniciar alguns caminhos de diálogo com este tema através da entrevista com o professor Wilson Jorge sobre o exercício de projeto na arquitetura prisional.

     Pois bem, ao argumento de Fernando e Larissa sobre a planta da Casa de Vidro manter um desenho espacial que reproduz o discurso da “Casa Grande e Senzala” quando, nas divisões internas, reproduz a hierarquia social dos seus cômodos, resolvi logo recorrer a uma nova olhada no desenho de planta do projeto de Lina Bo. Sem dúvida, para quem analisa esta planta, fica muito evidente a forte divisão que há entre o espaço dos empregados e a área dos donos da casa, sendo a cozinha a responsável pela intermediação entre esses dois blocos da residência. Ao constatar isso e concordar com meus colegas de blog, duas idéias me vêm à mente: a primeira diz respeito às contradições que me parecem residir no casal Bardi e que sempre me causaram difícil entendimento. A casa de vidro é a casa da nossa maravilhosa Lina, mas também é, mesmo que diferente das outras, uma casa da elite branca da cidade de São Paulo da década de 50.



     O outro ponto que me surge é um possível paralelo entre o discurso de liberdade presente na Casa de Vidro do Morumbi com aquele proferido pelas formas de Brasília. Se entendermos a liberdade formal na arquitetura como a possibilidade de dar plenos direitos de movimentação e visão aos homens, pilotis e fachadas de vidro são os elementos que mais diretamente podem trazer para a forma o ideal de liberdade. Nesse sentido Brasília e a Casa de Vidro são notórias experiências de liberdade. Porém, quando pensamos em Brasília, logo nos chega a imagem de uma cidade dupla: uma de palácios e cartões postais, onde é possível correr e andar sem interrupções por debaixo dos pilotis livremente; e outra de precariedade e falta de planejamento, representada pela pobreza da maioria das cidades satélites ao plano piloto. Ou seja, para além do sonho projetivo de Lúcio e Oscar, Brasília é uma cidade como qualquer uma das outras cidades do nosso país: essencialmente desigual, uma reprodução da nossa estrutura social e política. Brasília é uma cidade, quer se queira ou não, brasileira.

     Então, como pode haver liberdade formal se há uma estrutura social aprisionadora? A forma dá conta de expressar o que pleiteamos como liberdade? Se a Casa de Vidro do Morumbi fosse um Loft e nela não houvesse paredes e alas de empregados, a experiência projetiva ali poderia ser considerada mais libertária no que diz respeito à forma? Mesmo que já existisse Paraisópolis, a maior comunidade pobre próxima ao bairro em que fica a Casa de Vidro, o Morumbi, para sustentar, da mesma forma que acontece em Brasília, a dicotomia desigual da sociedade brasileira?

     A necessidade faz o ladrão, como diz o ditado, e a dispensa de mantimentos sumiu da planta das casas brasileiras quando os supermercados se tornaram mais comuns. Assim como talvez um dia sumam os quartos de empregada, mas talvez não seja um sinal de grandes mudanças sociais. A forma esconde e não é invencível. Ambientes abertos e fluxos fluidos não revelam em si movimentos libertários. Somos tão arquitetos quanto agentes políticos e a arquitetura da liberdade só encontrará lugar quando uma profunda transformação de hábitos e lugares sociais acontecer.

Para conhecer meus amigos do ComoVer Arq visite: http://comover-arq.blogspot.com/
Para ver a entrevista sobre arquitetura prisional com o prof. Wilson Jorge: http://transbordarquitetura.blogspot.com/2011/04/entrevista-com-o-prof-wilson-jorge.html

Um comentário:

  1. Não só topamos o convite, como já transbordamos, respondendo seu post com outra postagem.
    http://comover-arq.blogspot.com/2011/09/exercicios-de-liberdade-resposta-ao.html

    Vamos continuar de olho no transbordarquitetura! A ponte está criada.

    Um abraço e bom final de semana também.

    Fernando e Larissa

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