terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Onkalo e a Eternidade




Fedro:
E, de onde então, Sócrates, pode vir esse gosto do eterno que, por vezes, faz-se notar entre os viventes? Tu perseguias o conhecimento. Os mais ignorantes tentam preservar desesperadamente os cadáveres dos mortos. Outros constroem templos e tumbas, esforçando-se para torná-los indestrutíveis. Os homens mais sábios e mais bem inspirados buscam para seus pensamentos uma harmonia e cadência que os defendam, tanto das alterações quanto do esquecimento.

Sócrates:
Loucura! Ó Fedro, claramente percebes. Mas os Destinos decidiram que, entre as coisas indispensáveis à raça humana, figurassem necessariamente alguns desejos insensatos. Não haveria homens sem amor. Nem a ciência, sem absurdas ambições. E de onde pensas que tenham sido extraídas a primeira idéia e a energia para os imensos esforços que erigiram inúmeras cidades tão ilustres e tantos monumentos inúteis que, embora incapaz de os conceber, a razão admira?


Impossível não recordar esse incrível fragmento do diálogo entre Fedro e Sócrates, no maravilhoso Eupalinos ou O Arquiteto de Paul Valéry, para começar a falar da ambiciosa experiência de Onkalo. Talvez porque seja muito difícil para mim não pensar a eternidade dentro do viés da arquitetura e de sua persistente vontade de permanecer (ou seria vencer?) no tempo.

Onkalo é, entre tantas coisas, uma construção. Uma construção que pretende permanecer no tempo por pelo menos 100.000 anos, o que é uma façanha ainda nunca alcançada. Nesse sentido, mais do que ser um reservatório para armazenar todos os resíduos (lixo!) nucleares produzidos pelas usinas finlandesas, Onkalo também é uma experiência de eternidade e luta contra a natureza do tempo.

O que é, então, construir algo que permanecerá por tanto tempo na história da humanidade? Aliás, existirá ainda humanidade? E, dentre tantas mensagens construídas para o futuro, por que logo um reservatório de lixo? Essas são algumas perguntas brilhantemente construídas pelo filme INTO ETERNITY, de Michel Madsen, ganhador do grande prêmio do festival de Lyon de 2010. Madsen constrói com terror e poesia um filme emocionante e cheio de interessantes debates filosóficos que, longe de trazer discussões distantes do nosso universo tátil de entendimento, se aproximam de questões profundas sobre a fácil metáfora que é a própria construção de Onkalo.

E o que é a arquitetura senão um campo de expressão e linguagem que se manifesta exatamente como faz o filme de Madsen? Pois, se a arte é, antes de tudo, um veículo de reprodução da vontade humana de se reportar às coisas do mundo através de outras coisas, ou seja, através de um viés metaforizado, a arquitetura é a expressão disso no que diz respeito à História das construções.

Nesse sentido, Onkalo retoma uma importante discussão para a arquitetura, também presente em Eupalinos, a respeito do seu papel como guardiã das discussões filosóficas sobre o tempo. Em um século XXI marcado por arquiteturas espetaculares em forma que parecem apenas observar os grandes desastres ambientais, repensar a nossa permanência no tempo como sociedade e cultura será um dos grandes desafios da Arquitetura.

Links bacanas!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O novo projeto de fachada para o Shopping Rio Sul, no Rio de Janeiro, e a perda da sua relação com o espaço púlico.

Olá a todos!

Bom, gostaria de começar aqui com vocês uma breve discussão sobre a nova fachada do Shopping Rio Sul, no Rio, e sua nova relação com o espaço público. Sempre me pareceu estranha a grande ausência nas discussões de projeto de arquitetura, seja na mídia especializada ou na academia, sobre espaços de uso coletivo como os Shoppings Centers. É indiscutível a presença deles em grande parte das nossas cidades como também é impossível desconsiderar a sua consolidação e importância como espaço de convívio social, trocas culturais e uso coletivo.

Sendo assim, nada mais natural, acredito, que discutir as mudanças de projeto do maior shopping Center da Zona Sul do Rio e analisar como este novo projeto afeta sua relação com os espaços públicos da cidade.

Por conta da minha leitura do livro “In Search of a New Public Domain”, como comentei no post anterior, tenho pensado constantemente na potência presente na fronteira entre espaços de uso privado e público. É exatamente nesse lugar de conflito que surgem as potencialidades para um verdadeiro intercâmbio entre diferentes grupos e segmentos sociais, o que contribui para a construção de uma sociedade menos segregada e mais plural.

...

Pois bem, o antigo projeto do Shopping Rio Sul, de autoria do arquiteto Ulysses Petrônio Burlamaqui, data da década de 80 e traduz uma versão de Shopping Center ainda muito atrelada ao formato das pequenas Galerias Comerciais existentes no Rio. Porém, neste caso, se tratava de uma galeria comercial de grandes proporções.

Nesse sentido, as pequenas galerias comercias sempre se caracterizaram como extensões das lojas e da rua trazidas para o interior das edificações, levando consigo, assim, o espaço de uso público para dentro de um território privado. Por isso, os limites entre público e privado, no caso das galerias, se revelam fluidos e carregam, em desenho e projeto, elementos da rua para o interior das edificações. O prolongamento do piso das calçadas, bancos de praça e outros recursos são utilizados para ressaltar o caráter dúbio desses espaços.

No caso do projeto original do Shopping Rio Sul, que infelizmente não consegui encontrar disponível na internet, esses elementos utilizados nas galerias também apareciam ali. Nas suas duas portas de entrada principais existiam pequenos jardins, com bancos e plantas, marcando um espaço de encontro, socialização e intercâmbio entre a rua e o interior do Shopping.

No novo projeto, como mostrado na foto abaixo, os elementos de projeto que permitiam a socialização , como os jardins e os bancos, desapareceram e deram lugar a uma grande muralha de vidro espelhado e mármore. A separação entre o que é espaço público e o interior do Shopping está devidamente marcada, mesmo embora, como mostra a foto, exista uma demanda das pessoas por um local de permanência e troca. Como vemos, por se tratar de um ponto de espera, de encontro, de paradas de táxi e pontos de ônibus, as pessoas agora utilizam da muralha de vidro como apoio para o corpo. Da mesma forma, os bancos da rua estão sendo largamente utilizados, assim como, acredito eu, os bancos do interior do shopping. Porém, como uma diferença avassaladora em relação à antes, não há mais troca.



quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Recomeçando a transbordar...

Olá, pessoal!
Tudo bom?

Um ano novo começa e começo eu outra vez tentando criar aqui com vocês um espaço para compartilhar e comunicar coisas que me interessam investigar e discutir. Como muitas vezes estamos distantes e nem sempre dá para termos aqueles bons papos que eu adoro tanto (que vão de coisas extremamente profundas e abstratas àquelas bobas e superficiais), espero conseguir trazer para cá um pouquinho desses momentos e papos tão bacanas.

Assim, de alguma forma espero poder estar um pouquinho mais perto de cada um e de todos, pois cada vez me sinto mais convencido de que intelectualizar, construir conhecimento e cultura, só me fazem sentido quando compartilhamos nossas angústias, desejos, curiosidades e risadas com as outras pessoas. Principalmente aquelas que estão conectadas de verdade com a gente.

Espero, sinceramente, conseguir manter um contato perene aqui com vocês.

...

Bom, estou lendo um livro muito bacana, e que recomendo, chamado “In Search of a New Public Domain”. Cheguei nele através dos ótimos vídeos disponíveis no site da AA School de Londres, - ali se pode conhecer e assistir várias das palestras ministradas na escola inglesa! A que mais me interessou, e, admito, foi a única que assisti até agora, me atraiu pelo nome: “The City as Performance”.

Ainda não conhecia Arnold Reijndorp, autor do livro, mas logo me tornei seu fã. A palestra que assisti é maravilhosa e toca em assuntos muito importantes, principalmente no que diz respeito às nossas relações com o espaço das nossas cidades. Reijndorp é um estudioso do urbanismo na sua qualidade antropológica e está sempre beirando as fronteiras entre diversos campos de conhecimento, como arquitetura, sociologia e antropologia. Nada melhor do que ele para recomeçar aqui um blog que quer transbordar os assuntos da arquitetura para romper com suas fronteiras sem sentido.

Pois bem, da palestra de Reijndorp para seu principal livro foi um pulo para mim, ainda mais quando consegui encontrar “In Search of a New Public Domain” disponível online em pdf.

Pretendo trazer algumas coisas que tem me conectado com as discussões do livro e que me parecem importantes de serem conversadas aqui.

Enquanto isso, passo pra vocês os links, tanto dos ótimos vídeos da AA School como também do livro.
Divirtam-se com eles e continuamos conversando.
Um enorme abraço!
Conrado

LINKS:
Vídeos da AA
http://www.aaschool.ac.uk/PUBLIC/AUDIOVISUAL/videoarchive.php
The City as Performance, Arnold Reijndorp
http://www.aaschool.ac.uk//VIDEO/lecture.php?ID=1287
In Search of a Public Domains, Arnold Reijndorp
http://isites.harvard.edu/fs/docs/icb.topic758856.files/week_2/Hajer%20and%20Reijndorp_New%20Public%20Domain.pdf