segunda-feira, 9 de maio de 2011

Tadashi Endo e as boas sombras de uma arquitetura.

     Já faz um certo tempo que fui assistir ao espetáculo de Butô IKIRU, do Tadashi Endo, e desde então ficou uma vontade enorme de traduzir um pouco do quanto aquela experiência se comunicou com um monte de coisas que eu vinha trazendo comigo. Eu conhecia o Butô através do filme alemão Hanami, Cerejeiras em Flor, mas nada que fosse tão revelador quanto o dilacerante espetáculo do Tadashi. Como não sou bobo nem nada, não me atreverei a falar do Butô aqui. Prefiro deixar que os vídeos revelem por eles mesmos como o Butô pode chegar até vocês, até porque eu quero seguir por um outro caminho que tem muito mais a ver com a minha relação com a arquitetura do que com o Butô em si.

     Sendo assim, queria dividir com vocês esta sensação de não estar só na arquitetura, mas repleto de sombras. Sei que não sou o único, mas quando estudo, desenho e sonho com uma arquitetura é como se junto comigo viessem todos aqueles que de alguma maneira me inspiraram a querer ter a arquitetura perto de mim. É como se a minha mão que desenha tivesse um pouco de várias outras mãos ocultas daqueles outros que passaram pelo mesmo caminho que eu. É como se fazer arquitetura fosse evocar constantemente a memória daqueles arquitetos que eu aprendi a admirar observando e conhecendo suas trajetória e projetos. Algo como se dar conta das boas sombras escondidas no fazer da arquitetura.

     E é com o peso do compromisso com essas pessoas que tanto fizeram para a arquitetura que parece habitar o meu desejo de também fazer arquitetura. Parece estranho, mas como fiz uma escolha bem cedo, antes mesmo de entender bem o que pudesse ser realmente fazer um projeto, sabia que não era o conhecimento nem a idade que me aproximavam da arquitetura. O que realmente me fazia querer seguir aquele caminho era a vontade de perpetuar a paixão que eu via no trabalho daqueles arquitetos famosos que eu aprendi a admirar ainda bem criança.

     E foi o Butô, de alguma forma, que me ajudou a entender só por agora como passamos a vida nos apaixonando por mortos e sombras. IKIRU, nome que dá título ao espetáculo do Tadashi, significa VIDA em português, e não à toa se trata de um trabalho em homenagem a recentemente falecida e brilhante bailarina Pina Bausch. No final do espetáculo, Tadashi lê uma carta que reproduz com clareza esta estreita relação que há entre vivermos e produzirmos com a boa sombra dos mortos:

"Vida e morte estão muito próximos. Se não há vida, não há morte. Nascimento é o primeiro passo para morte. Pina Bausch morreu, Michael Jackson morreu, Kazuo Ohno morreu. Isso é amedrontador -- a morte está se aproximando. É triste perceber que os artistas que influenciaram meu trabalho, de repente, se foram -- para sempre. Porém, isso também me faz forte. Quando assisti Pina Bausch em 'Café Müller' -- cega e incerta, fraca mas forte, para ultrapassar todas as barreiras (cadeiras) com o desejo imperturbável de alcançar sua meta, eu fiquei tão impressionado! Eu nunca me esqueço dessa cena. Neste momento, tenho que me tornar muito mais forte do que antes. Eu tenho a sensação que devo trabalhar muito mais. Ir muito mais fundo".

     Assim também me sinto ao ousar querer sonhar com edifícios, parques e arquiteturas. É tão triste pensar que já não temos mais por perto uma Lina Bo Bardi, um Burle Marx ou uma Mayumi Lima. Mas é nessa tristeza profunda e tão pessoal que parece nascer a potência para uma coisa boa e nova. Eu jamais poderia pensar em querer fazer arquiteturas sem antes ter conhecido essas pessoas e seus trabalhos maravilhosos. Não tenho dúvidas de que eles seguem aqui comigo! Nada mais pode ser a arquitetura do que um eterno evocar dessas pessoas, numa vontade de fazer seus trabalhos e lutas permanecerem no tempo. Não porque a arquitetura pode ser feita de pedra e concreto e durar por centenas de séculos, mas porque ela é feita com um revirar sem fim e uma eterna homenagem às nossas boas sombras.



quarta-feira, 4 de maio de 2011

PETER ZUMTHOR Serpentine Pavillion



    


     Já faz algum tempo que foram divulgadas as imagens do novo pavilhão de Peter Zumthor para a Serpentine Gallery (1), em Londres, e desde então tenho lido e ouvido muitas críticas desfavoráveis ao projeto, particularmente de estudantes de arquitetura. Na verdade as críticas vão em direção às imagens renderizadas, expostas aqui acima, que são nossa única e principal fonte de conhecimento do projeto. Mesmo sabendo que "renders" não são o forte do escritório de Zumthor e que não conseguem ser suficientemente válidos para uma análise de um projeto seu, senti a necessidade de compartilhar com vocês no blog minha apreensão do pouco que entendi e espero a respeito deste pavilhão.

 
     Antes disso, não conseguiria deixar de associar a decepção de grande parte dos estudantes sobre o pavilhão de Zumthor com a decepção que também vi terem sobre a escolha do novo prêmio Pritzker (2), o português Eduardo Souto de Moura. Não à toa o juri que laureou Souto de Moura em 2011 foi o mesmo exato que concedeu o mesmo prêmio dois anos antes à Zumthor. Entendo que se crie uma expectativa a respeito do novo pavilhão se baseando em seus antecessores e se estabelecendo uma comparação óbvia com o último trabalho exposto, no caso de Zumthor tivemos ano passado um pavilhão do arquiteto francês Jean Nouvel. O mesmo vale para o prêmio Pritzker, que também revela na lista de premiados uma linha de raciocínio e uma expectativa para o grande público a respeito do próximo a ser laureado. Contudo, vejo que há sempre uma predisposição dos jovens arquitetos e estudantes a gostar daquela arquitetura que explode aos olhos e comove em segundos, como em uma fotografia, coisa que o pavilhão todo vermelho de Nouvel faz maravilhosamente, a exemplo do que também acontece na obra "Quarto vermelho" do artista brasileiro Cildo Meireles.





 
     Nesse sentido, acho que tanto Zumthor quanto Souto de Moura nos falam de uma outra experiência de arquitetura que não é a mesma de Nouvel ou Zaha Hadid. Suas heranças com a tectônica da arquitetura, com sua materialidade e com sua relação com o tempo e a nossa existência são totalmente diversas de uma arquitetura que nos salta aos olhos como uma fotografia colorida que nos faz parar em uma das diversas páginas de uma revista. Faço esta comparação exatamente pelo fato de que a maioria das críticas sobre o novo projeto de pavilhão de Zumthor se deve as imagens expostas pela mídia e não a respeito da experiência de se vivenciar essa arquitetura.

 
     Sendo assim, quando vejo o novo pavilhão de Zumthor para o Serpentine, de cara também não gosto das imagens. Elas certamente não me saltam aos olhos! Justamente por isso, e por admirar muito Zumthor, tento pensar em seu processo e em sua arquitetura, tentando retomar seus passos anteriores até chegar ao projeto do pavilhão e a essas imagens.

 
     Fazendo isso, tento me aproximar do princípio da proposta que lhe foi dada, àquele momento vazio e branco em que não se tem absolutamente nada e que se precisa buscar, como arquiteto, algum encaminhamento e alguma motivação para o projeto que foi solicitado. Nesse momento, me parece que uma das primeiras questões que surgem, e que tentando pensar como Zumthor talvez lhe tenha surgido também, é a respeito do que é este pavilhão em seu aspecto mais essencial.

 
     Então, o que vem primeiro a minha cabeça é que estamos tratando de um pavilhão temporário, a ser construído e exposto no verão, por um arquiteto escolhido no inverno e que no outono será desmontado para que em um próximo ano o ciclo recomece com a escolha de um outro arquiteto no inverno seguinte. No que isso nos leva? Certamente a algo muito diferente do que estamos acostumados a ver na obra de Zumthor, que tem como forte característica uma arquitetura que evoca a permanência e abusa de pedras e materiais de grande durabilidade no tempo.

     Pois como então ele se aproximaria dessas questões que aqui expomos? No momento dessa pergunta, fica claro para mim a escolha de se construir um jardim só de flores, como vimos nas imagens do projeto. Afinal, que outra coisa viria a nossa cabeça depois de pensarmos em algo que é exuberante no verão, que no inverno era só plano e que no outono nos abandona?

 
     Voltando às imagens do projeto acabo enxergando-o de uma outra maneira. Quase consigo estar naquela arquitetura e sentir a atmosfera criada pelo cheiro daquelas muitas flores. Quase consigo tocar nas paredes pretas de pedra e sentir o calor vindo de um sol tão raro e tão esperado em terras inglesas. Pedras essas que certamente rolarão para outro lugar no final da estação, como numa grande transformação da natureza. O mesmo espero dessas flores, que morrerão dia-a-dia até o pavilhão estar vazio, quase que anunciando o final do verão.


Notas:
(1) O Serpentine Pavillion é um evento anual da inglesa Serpentine Gallery que convoca renomados arquitetos de prestígio internacional para projetarem um pavilhão em um parque londrino. O nosso Oscar Niemeyer já teve um pavilhão lá, assim como o português Souto de Moura.
(2) O prêmio Pritzker é a maior premiação da arquitetura mundial, elegendo anualmente um arquiteto que possua uma obra representativa a ser laureado. www.pritzkerprize.com

Links das fotos:
Pavilhão Nouvel
Quarto Vermelho do Cildo