segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O mundo da arquitetura brasileira e Angelo Bucci no Segundo Caderno d’O GLOBO.




Com o título “Um novo arquiteto brasileiro no mundo”, foi publicada ontem, dia 20, uma breve reportagem e também uma entrevista com o arquiteto paulista Angelo Bucci dentro do Segundo Caderno, d'O GLOBO. Se o papel da arquitetura vem ganhando destaque neste caderno, o que é motivo para muito se comemorar, ainda temos um grande caminho a percorrer quando se trata de construir uma comunicação sólida da arquitetura brasileira. Seja dentro do nosso país ou com o mundo.

Afinal, como nos aponta o próprio título da reportagem, para um arquiteto brasileiro estar presente no mundo é preciso que ele seja visto e divulgado em países da Europa, da América do Norte ou Japão. É este o mote da reportagem que, mais do que focar na produção do arquiteto, salienta a importância do título de Bucci como membro honorário do AIA, sigla em inglês do Instituto Americano de Arquitetos, para fazer dele um “arquiteto brasileiro no mundo”.

Nesse ponto, acho importante nos perguntarmos sobre que mundo exatamente estamos tratado aqui. Até porque, será que antes do título norte-americano Angelo Bucci e sua obra não estavam inseridos no mundo? É no mínimo de se estranhar que seja preciso sempre o reconhecimento lá de fora para que possamos nos autorizar a estar no mundo mesmo que aqui dentro do nosso país. A arquitetura brasileira vista por nós mesmos parece ainda reconhecê-la como uma fortificação fechada e intransponível, em que ou se está dentro ou se está fora, e existem poucas nuances nesse grande esquema. Acho que a ojeriza por projetos de arquitetos estrangeiros aqui mostra um pouco disso também.

Sem dúvida, um dos grandes méritos de Angelo Bucci, e o prêmio da AIA confirma isso, está na sua capacidade de romper com esta idéia fechada sobre a arquitetura brasileira e se abrir para uma comunicação ampla e importante com outros países, como os Estados Unidos. Mas não foi só agora, com o título da AIA, que ganhamos um novo arquiteto no mundo. O que acontece é que tivemos a confirmação da representatividade de Bucci como um daqueles que não entendem porque a arquitetura brasileira tem tanta vergonha de se comunicar. Ei, mundo, nós temos muitos bons arquitetos aqui, sabiam?!

Se o resultado da arquitetura, diferente das artes visuais por exemplo, não pode viajar e ser exposto em museus do mundo para se fazer reconhecida, é através dos veículos de comunicação que ela se apresenta e é representada. Ainda temos muito o que construir para mostrarmos que estamos no mundo sim, diferente do que se possa pensar, e que muita arquitetura brasileira tem sido feita. Sem dúvida, um grande passo para isso está sendo dado pela iniciativa de Fernando Serapião de editar a revista “Monolito” em edições bilíngües. Nada mais justo do que começarmos com uma edição exclusivamente dedicada ao trabalho do arquiteto Angelo Bucci.

Vida longa à Monolito!

Lançamento no Rio de Janeiro, quarta-feira, dia 22, às 19:30h. Livraria da Travessa de Ipanema.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

A região central e portuária de Niterói e um plano metropolitano de articulação das cidades ao redor da baía da Guanabara

Se há um aumento na demanda por condomínios comerciais na cidade do Rio de Janeiro e uma ausência de espaços para novos investimentos, como comentado na postagem anterior, talvez esteja na hora de repensarmos a articulação entre as cidades que compõe a região metropolitana do Rio de Janeiro. O mercado imobiliário está depositando todas as suas fichas nas transformações da zona portuária do Rio de Janeiro, estimulando intervenções focadas na construção de um centro de negócios, enquanto talvez seja mais viável e sustentável encontrar outras alternativas para o equilíbrio do mercado de salas comerciais.

Um primeiro ponto a ser discutido diz respeito à origem de tal aumento, pois não adianta apenas criamos mais salas e mais espaço para investimentos quando é necessário responder diretamente a determinadas demandas. O próprio mercado afirma que o aumento na procura por salas é impacto no Rio de Janeiro da exploração do pré-sal e das grandes obras de infra-estrutura e mega-eventos, ou seja, existe um caráter de investimentos que não atinge apenas a capital do estado do Rio de Janeiro.

Nesse sentido, estamos passando por um momento de grandes operações no estado do Rio, como o pólo petroquímico em Itaboraí, assim como estamos montando uma rede gigante de infra-estrutura, com ações como o arco metropolitano. Porém, as cidades afetadas pelos novos fluxos de investimentos, demandas sociais, mercadológicas e políticas, principalmente aquelas da região metropolitana, ainda não tem um plano verdadeiro que as respalde para essas mudanças. Essas cidades carecem de integração e consolidação.

Então, um dos pontos das transformações e intervenções na zona portuária do Rio pode sim responder às demandas por novos condomínios comerciais, há espaço e vontade para isso. Mas este deve ser um dentre tantos pontos e demandas que existem nos bairros da região portuária do Rio de Janeiro, não o principal. Se as demandas por novas salas e escritórios é fruto de investimentos em todo o estado do Rio, com grande foco na região metropolitana, talvez seja necessário pensar o espraiamento dos investimentos para novos condomínios comerciais nas diversas cidades ao redor da baía da Guanabara, formando um plano inteligente de ações.


Cidade Nova, Centro do Rio e Centro de Nitetói

Nesse ponto, acredito eu, entra a consolidação do centro de Niterói e a criação de uma identidade própria para a cidade. Inúmeras grandes obras, à semelhança do Rio de Janeiro, foram empreendidas ao longo do século XX, como o porto da cidade, tornando Niterói portadora de boa infra-estrutura. Porém, o centro desta cidade ainda carece de um caráter e de novas melhorias, sendo a proximidade com o centro do Rio de Janeiro um grande trunfo.

A zona portuária de Niterói, contígua ao seu centro, também precisa de grandes transformações, assim como o porto do Rio. Uma articulação entre a transformação do centro e zona portuária de Niterói com aquelas pretendidas para os bairros do porto do Rio poderá ser a saída inteligente para as novas demandas do mercado de condomínios comerciais. Afinal, a proximidade de Niterói com o pólo petroquímico de Itaboraí, com a parte norte do estado do Rio, onde a indústria do pré-sal se estabeleceu e a elaboração do arco metropolitano colocam a cidade em posição especial.


Projeto da região portuária de Niterói

Não podemos esquecer que a região portuária de Niterói tem um traçado bonito e pensado, como mostra a foto acima, e possui uma demanda turística própria com seu mercado de peixes São Pedro que, a exemplo do Mercadão de São Paulo, pode se tornar um ponto mais fortemente característico da cidade. Os bairros residenciais de forte imigração portuguesa e a proximidade com São Gonçalo, uma das maiores cidades do estado do Rio, são outros dois pontos importantes para entender a atratividade possível na transformação dessa região.

Não nos basta apenas transformar a região portuária do Rio em um grande “case” de sucesso, reservando toda a fome do mercado para uma região. Isso só resultará num vampirismo urbano semelhante ao projeto da avenida Berrini em São Paulo. Precisamos de um plano sério e de longo prazo que interligue e consolide as cidades da região metropolitana, trazendo desenvolvimento humano e qualidade de vida. Só assim conseguiremos preservar e respeitar o manguezal do fundo da baía da Guanabara e enfim despoluí-la. Só assim conseguiremos enfim dar voz a importantes demandas, como a construção da rodoviária da baixada fluminense, a construção da linha 3 de metrô (de metrô!) e um sistemas urbano de transporte barato e interligado.

link da foto!
http://www.achetudoeregiao.com.br/rj/Niteroi/historia2.htm

Os negociadores do PORTO MARAVILHA e o mercado imobiliário de escritórios comerciais

“O porto é nossa maior expectativa de regularização do mercado de locação de alto padrão.”

Com esta declaração termina a matéria “Aluguel comercial: 4º mais caro do mundo”, publicada no caderno de economia do jornal O GLOBO de ontem, dia 18. Ela foi dada por Cleber Gurgel, gerente regional no Rio de uma grande consultoria imobiliária, nos encaminhando para uma boa discussão sobre um dos pontos mais sensíveis que envolvem um projeto de transformações para a região portuária do Rio de Janeiro. Afinal, não há dúvidas de que um dos grandes negociadores destas transformações será o mercado imobiliário de locação de escritórios comerciais.

Nesse sentido, começo esta postagem reforçado a necessidade do pluralismo dos negociadores e organizadores nas intervenções de transformação do cais do porto carioca. Considero relevantes as reivindicações do mercado imobiliário, já que é uma demanda irreversível, mas elas não podem nem devem ser os únicos norteadores para o projeto de transformações do Porto. Infelizmente, considero a abertura para prédios de 50 andares do plano PORTO MARAVILHA, proposto pela prefeitura do Rio, um recado de que é possível sim que haja o risco de que apenas um lado dessas negociações seja ouvido. Ou pior, que não haja nem mesmo negociações.

Mas ainda podemos acreditar no pluralismo. Afinal, um projeto compartilhado e discutido com ampla participação é o melhor para todos. Acredito sinceramente que o mercado de locação de escritórios tem muito a ganhar com a experiência de anos daqueles que estudam e refletem sobre as cidades brasileiras. Assim como as cidades têm muito a melhorar com o empenho e investimento vindos das mais diversas demandas da sociedade, pois a cidade precisa ser reflexo do seu pluralismo.


A vazia Avenida Berrini, São Paulo.

Sendo assim, trago aqui algumas questões que me pareceram importantes na leitura da matéria de ontem. Fala-se muito na falta ou limitação de espaço no Rio como causa da pouca oferta e do aumento no preço dos alugueis comerciais na cidade, tornado-a a quarta mais cara do mundo. Mas que espaço é esse? É apenas um espaço físico? Seriam os morros cariocas o grande empecilho para o equilíbrio deste mercado? Não, estamos entrando em um debate de centralidade da infra-estrutura da cidade. São Paulo e suas operações urbanas trouxeram a idéia de nova centralidade para resolver o problema, fazendo da região da Avenida Berrini um novo centro exclusivamente destinado aos negócios. O Rio precisa optar pelo mesmo caminho?

Do meu ponto de vista o modelo da Berrini não é, como escrevi no começo desta postagem, o ideal de projeto que respeita o pluralismo da cidade e dos seus negociadores. Pelo contrário, é reflexo único e exclusivamente dos anseios do mercado imobiliário de locação comercial de alto padrão. Um perda pra cidade e para o próprio mercado imobiliário. As ruas vazias do Brooklin Paulista, bairro que abriga a Avenida Berrini, são hoje a imagem da chamada nova cracolândia, com suas vias destinadas aos dependentes químicos, desumanizadas e de grandes edifícios corporativos que refletem a construção da cidade insegura, segregada e monocromática.


Protesto contra o processo da Operação Urbana

Se existe uma demanda por novas construções ou por novos espaços de cidade que abriguem escritórios comerciais, podemos pensar todos juntos em um amplo debate a respeito de um plano que abrigue essas demandas e não abra mão da cidade plural, alegre e viva. Assim ganharemos todos. Talvez esta seja a chave para voltarmos ao Rio de Janeiro da boa arquitetura, como nos ensinou e rememorou o professor Luiz Fernando Janot em seu artigo de hoje na página 7 do jornal O Globo. Oxalá!

Links!!!

Para a matéria - Aluguel comercial: 4º mais caro do mundo

Para o artigo de Luiz Fernando Janot

Para a nova Cracolândia

Das imagens

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Para entender melhor o projeto PORTO MARAVILHA

Olá, pessoal!

Se o assunto são as transformações da região portuária do Rio de Janeiro, não podem deixar de conhecer este texto que indico aqui pra vocês do arquiteto e urbanista Roberto Anderson Magalhães. Para quem quer se aproximar melhor do assunto e conhecer uma crítica séria e responsável sobre o projeto PORTO MARAVILHA, sugiro o link do texto:


Bacanérrimo! Vale muito a leitura. Eu já curti no meu Facebook, e vocês?

A MARAVILHA que queremos para a zona portuária do Rio. 2

Assim como no início do século passado, o Rio de Janeiro vê agora, um século depois, uma nova série de grandes transformações na sua região central. Se Paris foi o grande modelo para as brutais intervenções de Pereira Passos, fazendo do Rio a Paris dos trópicos com sua suntuosa Avenida Central, quais os modelos que estamos buscando ou replicando nas atuais intervenções para a zona portuária do Rio? E, ainda, como se darão essas intervenções?



Desmonte do Morro do Castelo.

Bom, estamos passando por um momento mesmo muito semelhante aquele de um século atrás, pois um novo bota-abaixo está em curso no cais do porto e um novo projeto de destruir a cidade e aplicar outra por cima está sendo lançado. Como reagiremos desta vez? Esperaremos que a criatividade dos políticos cariocas resolva desmontar o morro da providência, como foi feito com o morro do castelo, para angariar mais espaço para as ambições de tornar o centro do Rio o cenário de um surreal e imaginário centro financeiro? Ou criaremos um espaço de diálogo que permita chegarmos ao PORTO QUE QUEREMOS?

Imagens catastróficas de lado, é fato que a política brasileira resolve os grandes projetos urbanos através da replicação de modelos e modismos. Isso foi feito por Pereira Passos ao procurar em Paris um modelo de cidade, ignorando nossa própria geografia e cultura urbana, enquanto outras cidades, como Chicago, já buscavam seus próprios discursos e modelos. Modelos estes que, anos depois, novamente seriam sugados aqui e transformariam outra vez nossas cidades. A avenida Rio Branco, no Centro do Rio, é um exemplo disso.



Avenida Central transformada em Avenida Rio Branco.


Então, por que não tentarmos encontrar as pistas dos modelos que estão implícitos nas propostas advindas da municipalidade para o porto do Rio?

Bom, o primeiro ponto que gostaria de levantar aqui é em relação à operação urbana, os cepacs e a outorga onerosa do direito de construir. Qual a primeira imagem que nos vem à mente depois de mencionados esses três instrumentos? Avenida Berrini, São Paulo. O novo centro financeiro da cidade de São Paulo parece servir de modelo para as intenções do Porto Maravilha de transformação dos bairros da zona portuária do Rio em novo centro de negócios. Voltaremos outra vez nessa idéia de nova Cidade Nova?

Ou é uma nova Puerto Madero? A aparição de Santiago Calatrava aqui no Rio quase nos obriga a cair na óbvia comparação com o projeto de revitalização portuária da cidade de Buenos Aires. Assim como a Barra da Tijuca é o espelho de Miami, parece que é sonho de muitos transformar o porto do Rio na cópia do já famoso porto argentino. Ou seja, a transformação das nossas cidades parece ser moldada pela predileção turística da classe média brasileira! Afinal, Miami e Buenos Aires, assim como já foi Paris no século passado e continua hoje, são os destinos mais procurados pela elite urbana do nosso país.

É claro que projetos não surgem do nada e que outros exemplos sempre servirão de base, consulta, incentivo e inspiração para nossos próprios projetos. O problema é quando eles se tornam meros modelos de reprodução. Se a revitalização portuária de Barcelona pode nos servir como grande exemplo, mais do que repetir sua fórmula e forma ela nos mostra que é necessário buscar um caminho de transformações que seja reflexo de uma cultura arquitetônica, urbana e social. E esse caminho só virá quando se estabelecer e estimular o diálogo entre as diversas partes da sociedade na busca de um verdadeiro e democrático projeto para o PORTO QUE QUEREMOS.

links das fotos
http://professorandregeografia.blogspot.com/2009/03/morro-do-castelo.html
http://cafehistoria.ning.com/photo/av-central-1906
http://classicalbuses.fotopages.com/?entry=1686354

A MARAVILHA que queremos para a zona portuária do Rio. 1




Bom, mais uma vez sinto que é importante dizer aqui que enxergo este blog muito mais como uma plataforma para discussões do que como um puro veículo de comunicação. Nesse sentido, meu principal compromisso aqui é libertar meus pensamentos de um destino solitário, registrando e dando vida à eles ao mesmo tempo em que os compartilho com vocês e espero uma troca. Então, vejo o blog muito mais parecido com o Conglomerado do Oiticica do que com um portal de notícias ou um blog jornalístico.

Digo isso porque é impossível pra mim deixar de voltar sempre nas postagens anteriores deste blog, pois tenho um compromissos com a memória dos meus discursos. Sendo assim, as novas postagens acabam se remetendo a pensamentos antigos ou fazem referências à eles, construindo uma rede em que é uma necessidade minha estabelecer e restabelecer relações com os meus diferentes pensamentos.

Então, depois de explicado isso, quero voltar à postagem “Por que temos medo de viver na floresta? – Um píer e dois museus”, escrita em julho de 2010, para dar continuidade a discussão das últimas postagens sobre as transformações da zona portuária do Rio. Pra quem não leu a postagem antiga o link é esse:

O que quero retomar agora é a questão que me era cara naquele momento no que diz respeito aos diferentes projetos para o Píer Mauá e, por conseguinte, os diferentes projetos para o porto carioca. Acho que eles revelam, cada uma da sua maneira, como aqueles que estão politicamente a frente das operações de transformação do porto imaginam o futuro daquela região. Eu escrevia naquele momento:

“Sendo assim, gosto de pensar na força que existe nessas camadas de projetos que se fizeram para o Píer Mauá, primeiro o Guggenheim, depois um parque público e agora o Museu do Amanhã. Isso me faz acreditar numa coisa que valorizo muito, que é pensar que a idéia e o projeto, mesmo quando não são construídos e concretizados, como gostamos de falar, possuem uma força tamanha que também se afirma no espaço.”

Bom, ainda acredito no que retomo aqui neste fragmento que foi retirado da postagem do ano passado. É impossível pensarmos o PORTO QUE QUEREMOS sem passarmos antes pelo PORTO MARAVILHA do Eduardo Paes e sem voltarmos ao Porto Guggenheim de Cesar Maia. Ainda precisamos entender melhor, digerir e regurgitar o ideal de porto desses dois modelos sugeridos pelas duas administrações municipais da cidade.

Em que modelos cada um deles se apóia? Qual a relação desses modelos com a cidade do Rio de Janeiro? Quais cidades estão sendo espelhadas nessas transformações? Qual o grau de representatividade dos dois grandes museus, o Guggenheim e o Museu do Amanhã, para a idealização desses projetos?

Vamos voltar um pouco atrás para construirmos as maravilhas do PORTO QUE QUEREMOS?

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Da sombra de uma mangueira à Cidade do Samba.














Quadra de Samba da Acadêmicos da Rocinha   e  Faculdade de Arquitetura e Urbanismo USP

links das imagens

A arquitetura do samba, vamos chamar assim, está presente muito além dos seus barracões. Se vínhamos conversando aqui sobre a importância de encontrar no barracão um modelo novo de lugar que conjuga trabalho, lazer e socialização, diferente do atelier ou do estúdio, ainda nos falta pensar nas inúmeras potencialidades escondidas nos outros espaços por onde passa o samba.

É claro que trago aqui apenas um fragmento de pensamento, pois não se trata de iniciar uma pesquisa extensa sobre o assunto. Apenas gostaria de colocar em jogo e trazer para todos a possibilidade, em tempos de carnaval, de repensar o poder maravilhoso que o carnaval e o samba têm de transformar os espaços das cidades brasileiras.

Das rodas de samba embaixo de uma mangueira, onde o samba encontra o morro e a favela, passando pelos quintais do subúrbio carioca até chegar à indústria da Cidade do Samba e seu modelo turístico, uma cidade se transformou. É impossível ignorarmos que a cultura do samba também constrói, revela e transforma as cidades.

Mas será que estamos conseguindo consolidar as importantes transformações vindas daí? Ou melhor, será que estamos conseguindo nos abrir e enxergar as potencialidades surgidas com essas transformações? Acho, como vinha sustentando nas últimas postagens, que a destruição dos barracões na Zona Portuária do Rio para dar lugar a espigões de 50 andares é um exemplo de que não. Pelo contrário, acredito que estamos abrindo mão das inúmeras conquistas que a criatividade da cultura do samba trouxe para as nossas cidades.

É a poesia, a música, a dança que conseguem fazer da cidade, sua forma e experiência, o resultado de um processo libertário e verdadeiro de construção. Quando digo que o samba e o carnaval construíram uma cidade, estou falando de arquitetura. Porque arquitetura não é só feita pelas mãos dos arquitetos, ela é, antes de mais nada, feita de desejo e discurso. E também não é feita só com desenho, pode ser feita com samba, com dança ou com a liberdade de uma pipa.

E daí faz-se uma cidade.

O que dizer das quadras das escolas de samba, que não são clube nem casa de shows, reinventando antigos armazéns, estacionamentos de ônibus ou galpões abandonados? Ou dos barracões ocupando com seu trabalho e alegria uma zona portuária abandonada e esquecida? Ou ainda a reinvenção da rua como passarela, na grande festa deste país que é o nosso carnaval? Ou da maravilhosa sombra de uma mangueira que reúne, protege e abençoa as inúmeras rodas de samba espalhadas por aí. Tudo isso é, e não podemos abrir mão, a arquitetura do samba.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

SESC Butantã e o seu barracão


Bom, alguns de vocês já estão familiarizados com o projeto do SESC Butantã apresentado aqui neste blog em algumas postagens passadas. Fico feliz em poder dizer que esta é uma das maiores visitações do blog e que nunca pára de receber visitas. Este projeto foi fruto do trabalho de uma das minhas matérias na FAUUSP em parceria com minha amiga Flávia Santana e com a orientação do professor Marcos Acayaba. Tentei trazer aqui para o blog a possibilidade de discutir com todos o projeto que eu estava elaborando e foi bem bacana e importante o retorno que tive. Obrigado, gente! Para quem não conhece ainda, os links para as postagens sobre o projeto são esses:

Referências e primeiras inquietações



O projeto, maquete e desenhos



Retomando um pouco este projeto do SESC Butantã, pelo qual tenho imenso carinho e acho que seguirei construindo e pensando nele por alguns bons anos, somo também a discussão da última postagem sobre a riqueza dos barracões de escolas de samba como espaços públicos a serem apropriados pela arquitetura brasileira. Faz pouco tempo que entendi que mais do que um espaço de convivência, como eu vinha chamando até então, o galpão central do projeto do SESC Butantã se revelava como um grande barracão.

Não fosse apenas a apropriação dos elementos da arquitetura industrial, muito presentes ali no bairro por conta das inúmeras oficinas mecânicas e lojas de construção, o galpão central do projeto também se assemelhava com um grande barracão por possibilitar o acontecimento de muitas atividades em um mesmo lugar. O restaurante, as oficinas, a grande passarela e os dois edifícios estavam todos voltados para esta área, que conta ainda com o maior pé direito do conjunto exatamente para criar ali um espaço de criação. Fiz um desenho rápido e ilustrativo para mostrar um pouquinho como seria o convívio dessas diferentes atividades.




Imaginem só um espaço em que se possa acompanhar a construção de uma alegoria carnavalesca enquanto se pretendi ir até a biblioteca, ou que se possa vivenciar a experiência de criação de uma grande escultura dia-a-dia, ou ainda todas as possibilidades e potências que existem na troca entre espaço de criação e espaço de lazer. Acho que esse é o espírito do próprio barracão, onde se almoça, se samba, se cria e se trabalha muito.

Impossível não pensar no CCBB do Rio que, nessa época de pré-carnaval, tem promovido eventos com marchinha e muita animação junto ao seu centro cultural. Lembro também da BIENAL do Vazio, em que assim que entrávamos no prédio de Niemeyer nos deparávamos com uma enorme alegoria carnavalesca. É preciso trazer essas importantes misturas para os espaços de cultura das nossas cidades e é urgente que a arquitetura brasileira se reencontre com aqueles espaços de convívio e troca que são criados diariamente aqui no nosso país.

Então, este é o barracão do SESC Butantã, que se abre para a pequena praça do conjunto e que talvez possa trazer de volta a alegria para o carnaval de rua de São Paulo. Oxalá!

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A região portuária do Rio e seus barracões.

Minha solidariedade às Escolas de Samba que tiveram seus barracões atingidos pelo incêndio de hoje na Cidade do Samba.



Nesses últimos dias, a Prefeitura do Rio anunciou a construção de uma segunda Cidade do Samba destinada exclusivamente às escolas do Grupo B que terão seus barracões afetados pelas dilacerantes modificações do projeto Porto Maravilha. À exemplo do que já foi feito na Cidade do Samba das escolas do Grupo A, a proposta da prefeitura é construir uma estrutura de galpões, mais moderna e segura em relação aos barracões atuais, compondo um grande conjunto para servir mais adequadamente aos anseios da indústria do samba.


Junto ao anúncio da prefeitura, um incêndio atingiu o barracão de uma das escolas do grupo B, alertando para a necessidade e urgência da transformação e manutenção dessas estruturas. Sendo assim, não há como negar a real necessidade de cuidado e atenção do poder público para os barracões da zona portuária, ainda mais se pensarmos que se trata de uma área que se pretende transformar para reintroduzi-la no cotidiano da cidade.


Porém, será que a solução para os incêndios e para a boa estrutura das escolas de samba está realmente num mega-conjunto como a Cidade do Samba? E mais que isso, será que as Cidades do Samba e a transferência dos Barracões realmente representam as modificações que desejamos para a zona portuária?


Bom, essas e outras perguntas teremos que nos fazer em uma construção conjunta de toda a sociedade, pois só assim poderemos promover de forma democrática as modificações para o Porto do Rio. De antemão, começo esta discussão revalidando os barracões como inéditos lugares de socialização e cultura que não podem desaparecer, pois são o resultado da criação de um lugar com discurso próprio e alma carioca.


Explico. Estamos acostumados a replicar modelos, importando em forma a representação de certos lugares que nos parecem se adequar a determinadas funções. Para grandes shows construímos arenas, para diversão das crianças parques e playgrounds, para o trabalho imaginamos escritórios, ateliês, estúdios. Mas as estruturas do carnaval reinventaram os espaços, adaptando-os e construindo novos significados. É o caso do Barracão e é o caso também das Quadras das Escolas de Samba.


O Barracão, que é o exemplo desta postagem, resignificou o lugar do trabalho, do lazer e da socialização. É um espaço que não é um clube, não é um ateliê de trabalho e não é uma indústria. Então, o que é o Barracão? É um espaço novo, sem modelos exteriores, que com criatividade e apropriação da arquitetura industrial criou um novo modelo de lugar público. E são eles que mantêm viva a zona portuária do Rio até hoje.


Querer reintroduzir os bairros da região portuária na dinâmica da cidade do Rio é uma necessidade que todos enxergamos, mas ela não pode passar por cima daquilo que há anos mantém vivos esses bairros. Não podemos abrir mão dos barracões como modelos de espaço público que podem e devem ser apropriados por arquitetos e artistas na construção da região portuária do Rio de Janeiro que queremos.


LINKS
http://www.portomaravilhario.com.br/