Evento social lotou o mítico teatro do SESC Pompéia e reuniu um público ávido pela legitimação da arquitetura brasileira dentro do cenário internacional.
A foto aí acima não me deixa mentir, faltou lugar no teatro do SESC Pompéia para tantas pessoas interessadas em ver de perto a conversa entre o curador Hans-Ulrich Obrist, o arquiteto Rem Koolhaas e a designer Petra Blaisse, que aconteceu ontem, dia 25. A maior parte delas interessada em ver outra vez o arquiteto holandês Rem Koolhaas, prêmio pritzker do ano 2000, que já havia estado em São Paulo em 2002 por ocasião do evento ARTE CIDADE, para o qual propôs uma intervenção para o já destruído edifício São Vito. Com uma maioria esmagadora de estudantes e interessados em arquitetura, a celebração do projeto do projeto para a Casa de Vidro do Morumbi, grande motivação para o evento de ontem, pareceu ficar em segundo plano com a saída de grande parte da platéia depois da fala de Koolhaas.
É claro que reunir tanta gente pouco depois das 11h da manhã de uma quinta-feira, principalmente quando o assunto é arte e arquitetura, já é motivo de grande emoção e comemoração. Porém, para minha surpresa, a escolha de um elenco internacional de debatedores e a presença opressiva da língua inglesa em uma platéia maciçamente composta por brasileiros parecia revelar uma forte necessidade de internacionalização e legitimação da nossa produção artística e arquitetônica por nossos pares estrangeiros. Nada contra a nossa vontade de fazer parte de um cenário global, em que devemos sim atuar e pelo qual é importante construir pontes de comunicação, mas não acredito, com sinceridade, que “pedir a bênção” a consagrados artistas internacionais vá conseguir trazer a sustentabilidade da nossa presença no cenário global da grande produção de arte e arquitetura.
Talvez estejamos tentando fazer um caminho que já conhecemos, pois a arquitetura moderna brasileira ganhou grande destaque a partir da exposição Brazil Builds, no MoMA, e pela vinda de figuras estrangeiras que divulgaram nossa produção nacional, como Max Bill, Le Corbusier, Yves Bruand, para não citar outros. Difícil, porém, é acreditar que só isso seja suficiente para reafirmarmos, principalmente para nós mesmos, que nossa produção é consistente e passível de conquistar outras terras e reverberar lá fora. Será que acreditamos mesmo nisso? Então por que a necessidade de aprovação a todo o tempo? As perguntas feitas à Koolhaas ontem, que foram constrangedoramente mais do que aquelas dirigidas à Petra Blaissa, sem motivo aparente, revelavam precárias tentativas de ter nas respostas do arquiteto holandês a legitimação de nossas cidades, arquitetura e artistas num cenário internacional. Porém, somente um ar de frustração se formou depois das falas de Koolhaas, felizmente talvez.
Com a frustração da não aprovação, ou ao sermos colocados, segundo a resposta de Koolhaas sobre o lugar de São Paulo no mundo, ao lado de cidades como Lagos, na Nigéria, talvez consigamos olhar para nós mesmos e assim então construirmos uma produção sólida que por si só já se represente em outros países. Afinal, maturidade se alcança, não se solicita.
Ao mesmo tempo em que vejo nossa ingenuidade, ou complexo de vira-lata, nas perguntas proferidas à Koolhaas, é difícil não pensar o quanto o projeto de internacionalização da Casa de Vidro do Morumbi precisa ser questionado sobre também não ser apenas parte dessa vontade de legitimação exterior da qual estamos falando aqui. Lembro muito bem da dificuldade que tive nesses 3 anos morando em São Paulo, como estudante de arquitetura, para tentar conhecer de perto a casa projetada e que por muito tempo morou nossa querida Lina Bo e seu marido Pietro M. Bardi. Foram muitos e-mails e telefonemas e uma série de negativas, sendo que para visitantes estrangeiros as respostas não pareciam ser as mesmas.
Quando vejo este encontro para celebrarmos a nova fase da Casa de Vidro do Morumbi representado por uma conversa apenas em inglês com três figuras européias de destaque internacional, e nenhum brasileiro, fica difícil acreditar que a potência real da obra de Lina Bo vá encontrar lugar nessa proposta de internacionalização. A fala final e atrasada do diretor do SESC, Danilo Miranda, em português, como foi salientado por ele, revelaram aquilo que Lina e suas obras tinham de melhor: a capacidade de tocar todos os públicos, principalmente os não iniciados em arquitetura ou nas artes formais.
Mais do que uma casa conhecida internacionalmente ou um trabalho exposto no exterior, acho que a Casa de Vidro precisa ser conhecida por nós mesmos como processo de aprendizado sobre nossa história e nossas vocações. Me interessa menos que visitantes estrangeiros conheçam a Casa para legitimá-la lá fora, e muito mais me importa que estudantes brasileiros tomem conhecimento dela, de sua beleza e discurso pleno de liberdade projetiva e estética. Estudantes de arquitetura e dos ensinos fundamental e médio, principalmente público! Imagino que para uma criança de escola pública, moradora de comunidades carentes ou favelas, que provavelmente vive em uma casa apertada e muito pouco privilegiada em termos de cidade e arquitetura, conhecer a casa de vidro seja uma oportunidade de entender pela experiência vivida que é possível se ter liberdade no seu dia-a-dia. Quero um projeto de nacionalização da nossa arquitetura e um projeto de nacionalização da Casa de Vidro, porque ela ainda não é nossa. Não podemos deixar que a casa de Lina vire, como já aconteceu com o MASP, uma desvirtualização do seu potente discurso para fins mercadológicos de sua produção. Este é o nosso papel nessa nova fase da Casa de Vidro do Morumbi.
Excelente post Conrado. Concordamos com quase tudo que você escreveu. Realmente, as perguntas feitas a Koolhaas foram muito constrangedoras. Aliás, percebemos que o complexo de vira-lata sempre se manifesta em palestras desse tipo. Quanto à Casa de Vidro apresentar um modelo de liberdade projetiva, descordamos um pouquinho. Estética sim, por apresentar sistema construtivo e preceitos modernos pouco explorados até então no país. Porém, a liberdade projetual ficou um pouco restrita aos modelos paternalistas, tão possíveis de se ler na planta que demarca claramente a divisão de hierarquias na residência. Ótimo post!
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