A Brasília do Concreto
Estará a história de Brasília irreversivelmente ligada ao uso do concreto armado? Disso não temos dúvidas. Afinal, o projeto moderno de Lucio Costa para a capital federal do Brasil, patrimônio mundial pela UNESCO, está diretamente relacionado à apropriação da arquitetura brasileira daquele que havia se tornado o material mais revolucionário de sua época: o concreto. Porém, se Brasília para sempre será o emblema de uma arquitetura que consolidou o uso do concreto em sua forma de construir e idealizar a cidade, não haverá no futuro de sua arquitetura oportunidades para a experimentação de outros materiais? Que caminhos podem se abrir na direção de encontrar em Brasília novas possibilidades para se pensar a forma, a criatividade e a sustentabilidade da arquitetura no Brasil?
Algumas respostas para estas questões podem estar na própria Brasília do concreto, escondidas nos vestígios deixados pela sua suntuosa construção. Pois, para que a cidade moderna surgisse no meio do planalto central brasileiro, região selvagem do interior do país, foi preciso deixar muitas pegadas e resíduos para trás. Brasília teve um custo, material e social para o Brasil, custo este que pode se converter em potência para refletirmos sobre novas formas de pensarmos o futuro das cidades brasileiras, especialmente o da capital federal do país.
Sacolândia
Nesse sentido, enquanto o traço genial do arquiteto, de geometria e cores puras, fazia surgir uma cidade do zero, outra, igualmente nova, genial e inusitada era construída pelos arquitetos anônimos com os restos deixados pela sua irmã mais abastada. Trata-se de Sacolândia*, uma dentre tantas outras aglomerações de moradias dos trabalhadores de Brasília, porém a única a ter sua pobreza singularmente exposta pelos seus casebres cobertos pelos sacos vazios do cimento usado na grande obra da nova capital federal.
Mas se a pobreza se expunha e era tamanha naquelas frágeis habitações, uma generosa e rica criatividade se ocultava em cada um de seus detalhes. Criatividade essa tão brasileira em suas formas e arquitetura quanto àquela reservada às super-quadras modernas, aos ministérios e aos palácios da capital federal. Então por que Sacolândia não está tão presente no imaginário da arquitetura quanto está Brasília? O quanto deixamos de aprender com uma arquitetura brasileira que está submersa e que ainda precisamos nos apropriar?
Earthbag Building
Talvez se nos permitirmos nos deter um pouco mais nessas dúvidas possamos nos encaminhar para novas descobertas surpreendentes na forma de projetar e pensar arquitetura no Brasil. Talvez possamos encontrar formas tão incríveis como as da emblemática Brasília do concreto, mas que façam parte de novas discussões e novas maneiras de nos defrontarmos com os dilemas do nosso tempo. Por exemplo, o que dizer do earthbag building como técnica construtiva? Quais experimentações encontramos com essa técnica aqui no Brasil? Sacolândia seria outra se, ao invés de abrirem os sacos e forrar suas casas, aquelas pessoas tivessem resolvido encher os sacos de cimento com terra ou areia para formar paredes mais fortes? Não serão estas respostas que precisam ser buscadas pela arquitetura contemporânea brasileira?
Afinal de contas, Brasília e o todo o legado da arquitetura moderna brasileira não nos ensinam apenas a partir de seus acertos e glórias, mas também de seus erros e de suas questões não resolvidas. Reconhecer isso não é desmerecer aqueles incríveis arquitetos que tanto admiramos, pelo contrário, esta é a forma mais genuína de abraçarmos seus ideais e projetos. A arquitetura contemporânea brasileira precisa ser uma resposta aquela genial arquitetura do passado e não uma mera repetição ou continuidade. Existe uma Brasília sem concreto que nos revela haver no avesso da arquitetura moderna a existência de uma arquitetura outra, ulterior e ao mesmo tempo tão afetivamente ligada a ela. Arquitetura contemporânea e brasileira.
*conheci Sacolândia há pouco tempo, através da exposição AS CONSTRUÇÕES DE BRASILIA que estava em cartaz no IMS do Rio e depois foi para o SESI em Sampa. Foram reveladas pelas magistrais lentes de Marcel Gautherot.
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