O mais curioso: por conta da possível repercussão de sua demolição, será reconstruída uma cópia quase idêntica sua nas redondezas do projeto original.
Passo quase todos os dias por uma misteriosa obra na marginal do Rio Pinheiros, Zona Oeste da capital de São Paulo, que por conta do tamanho do seu terreno (fruto de demolições) e seu gigantesco canteiro de obras provavelmente abrirá caminho para mais um projeto arquitetônico de grandes proporções na cidade. Como não poderia deixar de ser, fiquei muito curioso por saber do que se tratava o projeto por detrás daqueles tapumes da Odebrecht, principalmente por estarem colados a pequena e justamente por isso tão bem concebida Galeria Leme, obra do arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Resolvi então fazer uma rápida pesquisa na internet para tentar saciar minha curiosidade.
Qual não foi minha surpresa quando, mais importante do que conhecer o projeto deste novo grande empreendimento imobiliário, soube que não teríamos naquele terreno um vizinho da Galeria Leme, mas sim o motivador da sua futura demolição! Esta pequena jóia da arquitetura brasileira será destruída para dar lugar a um colossal edifício de escritórios, em mais uma pouco criteriosa ação de transformação da cidade. Surpresas à parte, é evidente que aqueles que idealizaram o novo majestoso projeto já previam toda a repercussão originada pela demolição de uma obra de um prêmio Pritzker brasileiro e se anteviram a isso. Como compensação à demolição, propuseram a estranha reconstrução da galeria de arte em outro terreno próximo ao do projeto original, a cargo dos seus mesmos arquitetos originalmente responsáveis e com algumas mínimas adaptações. Ou seja, teremos em breve uma nova antiga Galeria Leme, ou como a reportagem do Diário de São Paulo preferiu chamar: um clone.
(matéria vinculada no jornal Diário de S. Paulo em 06\06\2011 em: http://www.diariosp.com.br/_conteudo/2011/06/86881-conheca+primeiro+predio+clonado+em+sao+paulo.html)
Se a compensação pareceu satisfatória para o proprietário da Galeria Leme, que prefere vê-la reconstruída ali perto a torná-la passado ou fruto de um novo projeto para o novo terreno, para nós, arquitetos, ela precisa ser objeto de alguma desconfiança e de muita discussão. Se sua demolição já parece inevitável, (eu nem mesmo sabia que ela corria este risco, e olha que não sou tão desinformado assim!) ao menos precisamos acompanhar seu processo de demolição e fazer deste um precioso objeto de estudo para futuras ações coletivas que respondam a este movimento de transformações da cidade em que os arquitetos estão longe de serem protagonistas e passam ao largo das decisões tomadas.
Afinal, não é nova a idéia para a arquitetura de se reconstruir uma consagrada obra arquitetônica em outro tempo ou terreno, a própria reportagem do jornal paulistano lembrou alguns casos emblemáticos, como o do Pavilhão Barcelona de Mies Van der Rohe. Porém, o que vemos no caso paulistano é que a reconstrução parece ser apenas um pretexto para se permitir o uso indiscriminado da cidade para os interesses oblíquos de um mercado especulativo. Os interesses da sociedade, da cultura e da arquitetura, objetos do trabalho e da ação dos arquitetos, estão longe de fazerem parte desta reconstrução.
Nós mesmos aqui no blog já chegamos a propor uma reconstrução fora do tempo que coincidentemente interviria em uma quadra bem próxima a Galeria Leme. Tratava-se do SESC Butantã, postado aqui em 2010. Porém, no nosso caso, a provocação de se reconstruir o teatro de Marechal Hermes, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, de autoria do arquiteto carioca Affonso Eduardo Reidy, nos parecia uma maneira de repensar em que condições se encontravam naquele momento da história o teatro original e de como restaurar a potência e genialidade do traço simples de Reidy para aquele projeto. Em nenhum momento a reconstrução foi um pretexto para outra grande obra, construindo um discurso vazio que apenas reconsidera o valor da obra arquitetônica por conta da repercussão da opinião pública em cima do caso.
(Links para nossa proposta de reconstrução do teatro de Marechal Hermes do Reidy em São Paulo. SESC Butantã. http://transbordarquitetura.blogspot.com/2010/07/sesc-butanta-respondendo-ao-comentario.html e http://transbordarquitetura.blogspot.com/2010/07/sesc-butanta-avvital-brasil-butanta-sao.html ).
Enfim, precisamos ficar atentos e continuar repercutindo o caso. Se “a modernidade está fazendo com que os imóveis se tornem móveis”, como declarou Paulo Mendes sobre a reconstrução da sua obra em depoimento dado à reportagem do Diário de São Paulo, nos basta discutir quais caminhos nos parecem pertinentes a serem seguidos dentro desta modernidade e qual a validade de alguns discursos para a manutenção das nossas cidades e arquitetura. Afinal de contas, a modernidade é fruto de nossas ações presentes que, atualmente, parecem fazer da cidade refém da ausência de arquitetos e urbanistas como mediadores de suas transformações.
p.s. Para conhecer mais da Galeria Leme recomendo as bacaníssimas maquetes com cortes esquemáticos, de um aluno da PUC-RIO expostas em seu blog em http://arquitetura-e-arte.blogspot.com/2010/06/maquetes-da-galeria-leme.html
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