Difícil sair da exposição “Ordem e Progresso: vontade construtiva na arte brasileira”, em cartaz no MAM de São Paulo, sem a incômoda sensação de que a arquitetura brasileira perdeu o bonde da História. Uma História, aliás, em que era grande protagonista e que, por motivos que ainda nos falta muito investigar, já não tem mais hoje a mesma grande atuação. Isso fica evidente na aparição do projeto de Brasília como ponto inicial de reflexão sobre a vontade construtiva brasileira e no sumiço imediato de qualquer outra referência arquitetônica na exposição. Para quem se interessa em arquitetura e nos destinos da nossa produção, talvez valha uma breve reflexão sobre a ausência da arquitetura em “Ordem e Progresso”.
Da minha parte, foi quase impossível não refletir sobre essa ausência. É claro que não se trata aqui de reivindicar um espaço para a arquitetura nessa exposição ou de se fazer crítica a sua curadoria. Pelo contrário, acho que o ponto mais interessante está em questionar porque nossa arquitetura não consegue se representar, se colocar entre as outras artes e continuar sendo produtora de discursos contemporâneos. Se Brasília pôde ser o emblema da vontade construtiva que tanto inspirou os diversos campos das artes no Brasil, atualíssima em relação aqueles movimentos de vanguarda brasileiros, qual a resposta em arquitetura que damos hoje para nossos dilemas contemporâneos?
“Ordem e Progresso” transcorre sobre um Brasil de sonhos, utopias e abstrações, aquele mesmo capaz de realizar Brasília, mas que se descobre caótico, disforme e real a cada dia. Um país que não dá exatamente as respostas que idealizamos, que nos surpreende com suas próprias respostas, e que não coube em todos os nossos sonhos construtivistas. Um Brasil representado por sua bandeira nacional de geometrias puras, mas que é verdadeiramente lembrado por suas favelas, camelôs, pela descontração e pelo carnaval.
Nesse sentido, perpassa pelos jogos geométricos de nossos artistas construtivistas, com trabalhos de Alexandre Wolner, Lygia Pape e Ivan Serpa, até se desdobrar em obras pautadas na realidade das ruas, como “Camelô” de Cildo Meireles e as imagens de carroceiros de João Urban. Vai da Brasília representada pelas lentes de Thomas Farkas, Orlando Brito e Mauro Restiffe, até terminar na maravilhosa instalação “Do universo do baile”, de Mauricio Dias e Walter Riedweg, em que uma travesti desdentada lê a avançadíssima constituição brasileira de 1988.
Dentro disso, onde pode estar a arquitetura para responder a essas novas reflexões sobre o Brasil? Se Brasília pode sim estar ali, mesmo que representada pela fotografia, marcando a presença da arquitetura na formulação de perguntas e discursos sobre o seu tempo, qual trabalho de arquitetura selecionaríamos hoje para representar as questões que se colocam no nosso tempo? Fiquei alguns instantes me perguntando que obras arquitetônicas ou que arquitetos brasileiros seriam expostos ali e fariam parte do desfecho daquela exposição. No fim, achei mesmo que foram as favelas que, além de darem conta do problema habitacional que o Brasil não resolveu, também foram responsáveis por dar as respostas que a arquitetura da academia e do escritório não souberam dar.
Assim, fico pensando que talvez os anseios da arquitetura moderna em construir uma tradição tardia tenham destruído aquilo que parecia ser o mais moderno em nós: nossa vocação pela novo e pela ruptura. O caráter atemporal de Brasília parece ter gerado a ilusão de um passado construtivo milenar, quando na verdade estamos falando de uma história de menos de um século. Sendo assim, acabamos nos agarramos em nossos símbolos modernos, emblemas da consolidação da república brasileira, com a mesma carência com que a criança no quadro “A Pátria”, de Pedro Bruno, agarra a primeira bandeira nacional. E agora?
cheguei atrasada aqui, pelo visto! passei o olho rapidamente nos seus textos e tive uma ótima impressão, Conrado!
ResponderExcluirLi especialmente o 1º post, por curiosidade de saber como vc começou nesta empreitada que é ter um blog!
Eu também sigo com o meu, mas num caráter mais cronista... e também passo pelas mesmas angústias sobre impessoalidade nos meus textos! Acredito ser comum neste meio...
Boa sorte para nós então! Um grande bjo carioca!
ps: Bem lembrada a exposição no MAM! Amanhã vou ver a 'Água' na Oca e aproveito e dou uma esticada no MAM!