

E, de onde então, Sócrates, pode vir esse gosto do eterno que, por vezes, faz-se notar entre os viventes? Tu perseguias o conhecimento. Os mais ignorantes tentam preservar desesperadamente os cadáveres dos mortos. Outros constroem templos e tumbas, esforçando-se para torná-los indestrutíveis. Os homens mais sábios e mais bem inspirados buscam para seus pensamentos uma harmonia e cadência que os defendam, tanto das alterações quanto do esquecimento.
Sócrates:
Loucura! Ó Fedro, claramente percebes. Mas os Destinos decidiram que, entre as coisas indispensáveis à raça humana, figurassem necessariamente alguns desejos insensatos. Não haveria homens sem amor. Nem a ciência, sem absurdas ambições. E de onde pensas que tenham sido extraídas a primeira idéia e a energia para os imensos esforços que erigiram inúmeras cidades tão ilustres e tantos monumentos inúteis que, embora incapaz de os conceber, a razão admira?
Impossível não recordar esse incrível fragmento do diálogo entre Fedro e Sócrates, no maravilhoso Eupalinos ou O Arquiteto de Paul Valéry, para começar a falar da ambiciosa experiência de Onkalo. Talvez porque seja muito difícil para mim não pensar a eternidade dentro do viés da arquitetura e de sua persistente vontade de permanecer (ou seria vencer?) no tempo.
Onkalo é, entre tantas coisas, uma construção. Uma construção que pretende permanecer no tempo por pelo menos 100.000 anos, o que é uma façanha ainda nunca alcançada. Nesse sentido, mais do que ser um reservatório para armazenar todos os resíduos (lixo!) nucleares produzidos pelas usinas finlandesas, Onkalo também é uma experiência de eternidade e luta contra a natureza do tempo.
O que é, então, construir algo que permanecerá por tanto tempo na história da humanidade? Aliás, existirá ainda humanidade? E, dentre tantas mensagens construídas para o futuro, por que logo um reservatório de lixo? Essas são algumas perguntas brilhantemente construídas pelo filme INTO ETERNITY, de Michel Madsen, ganhador do grande prêmio do festival de Lyon de 2010. Madsen constrói com terror e poesia um filme emocionante e cheio de interessantes debates filosóficos que, longe de trazer discussões distantes do nosso universo tátil de entendimento, se aproximam de questões profundas sobre a fácil metáfora que é a própria construção de Onkalo.
E o que é a arquitetura senão um campo de expressão e linguagem que se manifesta exatamente como faz o filme de Madsen? Pois, se a arte é, antes de tudo, um veículo de reprodução da vontade humana de se reportar às coisas do mundo através de outras coisas, ou seja, através de um viés metaforizado, a arquitetura é a expressão disso no que diz respeito à História das construções.
Nesse sentido, Onkalo retoma uma importante discussão para a arquitetura, também presente em Eupalinos, a respeito do seu papel como guardiã das discussões filosóficas sobre o tempo. Em um século XXI marcado por arquiteturas espetaculares em forma que parecem apenas observar os grandes desastres ambientais, repensar a nossa permanência no tempo como sociedade e cultura será um dos grandes desafios da Arquitetura.
Links bacanas!
Para o filme INTO ETERNITY
http://www.intoeternitythemovie.com/
TRAILER
http://www.youtube.com/watch?v=xXif1MThJ6k&feature=related
Para o projeto de ONKALO
http://www.youtube.com/watch?v=BN25RTYjjIg